A palavra caboclo, vem do tupi kareuóka, que significa da cor de
cobre; acobreado. Espírito que se apresenta de forma forte, com voz
vibrante e traz as forças da natureza e a sabedoria para o uso das
ervas.
A marca mais característica da Umbanda, uma religião surgida no
Brasil no final do século XIX e início do século XX, é a manifestação de
entidades espirituais, por meio da mediunidade de incorporação. Os
primeiros espíritos a “baixar” nos terreiros de Umbanda foram aqueles
conhecidos como Caboclos e Pretos-velhos, a seguir surgiram outras
formas de apresentação como as Crianças, conhecidas, variadamente, como
Erês, Cosme e Damião, Dois-dois, Candengos, Ibejis ou Yori. Essas três
formas, Crianças, Caboclos e Pretos-velhos, podem ser consideradas as
principais porque resumem vários símbolos: representam, por exemplo, as
raças formadoras do povo brasileiro – indígenas, negros e brancos
europeus – e também representam as três fases da vida – a criança, o
adulto e o velho – mostrando a dialética da existência. Além disso,
trazem valores arquetipais de Pureza e Alegria na Criança; Simplicidade e
Fortaleza no Caboclo e a Sabedoria e Humildade dos Pretos-velhos,
mostrando o caminho para a evolução espiritual dos sentimentos, do corpo
físico e da mente. Com a expansão da Umbanda, muitas entidades
apareceram, como os Baianos, Boiadeiros, Marinheiros e outras, sem falar
de Exu, outro grande ícone umbandista.
Essa diversidade confirma a abrangência desse movimento espiritual
que chama a todos e recebe seres encarnados e desencarnados, com
vibrações de fraternidade e amizade sob a luz de Oxalá.
Nesse artigo trataremos, mais especificamente, das entidades
conhecidas como Caboclos, invariavelmente presentes nos terreiros de
Umbanda, praticando a caridade e cumprindo sua missão espiritual.
Existem variações no entendimento que os umbandistas têm sobre o que
sejam os caboclos. As variações são próprias do movimento umbandista,
notavelmente plural, mas há consenso na Umbanda, no fato de que os
Caboclos são espíritos de humanos que já viveram encarnados no plano
físico e são, portanto, nossos ancestrais. É interessante notar que em
alguns cultos afro-brasileiros, os caboclos são considerados
“encantados” e se relacionam com os espíritos da natureza, recebendo
nomes de animais, plantas ou outros elementos naturais. Essa percepção
se aproxima das lendas indígenas que narram um tempo em que os animais
falavam e viviam em comunhão com os homens, podendo um se transformar no
outro, (veja mais nas obras de Betty Mindlin).
A palavra caboclo vem do tupi kariuóka, que significa da cor de
cobre; acobreado. A partir daí vem a relação com os índios brasileiros,
de tez avermelhada. Assim, a palavra caboclo passou a designar aquilo
que é próprio de bugre, do indígena brasileiro de cor acobreada.
Posteriormente surgiu a noção de caboclo como mestiço de branco com
índio, o sertanejo. Dada essa relação dos caboclos com os indígenas –
nos terreiros de Umbanda é dessa forma que se manifestam -, e
aproximando esse fato ao Orixá Oxossi, que em África é cultuado como
Odé, o caçador, o Senhor das Florestas, conhecedor dos segredos das
matas e dos animais que lá vivem, diz-se que os Caboclos que baixam na
Umbanda são espíritos ligados a Oxossi. Muitos entendem que somente
esses são caboclos e que as entidades da vibração de Ogum, Xangô,
Yemanjá e Oxalá não seriam, propriamente, caboclos. No entanto, há
caboclos da praia, do mar e das ondas, das pedreiras, das cachoeiras,
dos rios etc., cujos elementos se associam mais aos outros Orixás que a
Oxossi.
Outra maneira de se interpretar as entidades de Caboclo, é como
espíritos que se apresentam na forma de adultos, com uma postura forte,
de voz vibrante, que trazem as forças da natureza, manipulando essas
energias para trabalhar nas questões de saúde, vitalidade e no corte de
correntes espirituais negativas. Seu linguajar pode se assemelhar ao dos
indígenas, paramentados ou não com cocares, arcos e flechas,
machadinha e espadas. Aqui estamos entendendo os Caboclos de maneira
mais ampla, como símbolo de fortaleza, do vigor da fase adulta,
existindo caboclos de Oxossi, Xangô, Ogum e mesmo aquelas entidades
ligadas aos orixás femininos, como Yemanjá, Oxum, Yansã. É claro que
essas últimas entidades não vêm como índias, mas com uma forma
tipicamente relacionada aos seus atributos. Todavia, são entidades que
se apresentam como adultos.
Feitas essas ressalvas, podemos dizer que todas as entidades de
Umbanda, especialmente as Crianças, Caboclos e Pretos-Velhos, são
espíritos ancestrais que estão ligados, cada um, a um Orixá. Assim, as
crianças trazem a vibração dos Orixás Ibeji, conhecidos na Umbanda
Esotérica como Yori; os Pretos-velhos vêm sob as vibrações dos Orixás
Obaluaiê, Nana Burukum ou Yorimá e os Caboclos podem ser de Oxossi,
Xangô, Ogum etc. Também é preciso falar que existem os chamados
cruzamentos vibratórios em que uma entidade de Ogum, por exemplo, pode
trazer também as forças de outro orixá, como Ogum Yara que além das
forças de Ogum, movimenta também as forças dos Orixás das águas, como
Yemanjá, Oxum etc.
Vejamos alguns exemplos de Caboclos de Oxossi: Caboclo Sete Flechas,
Caboclo Folha Seca, Caboclo Pena Vermelha, Cacique das Matas, Caboclo
Cobra-coral, Cabocla Jurema, Cabocla Jacyra, Caboclo Ventania, Caboclo
Caçador e outros. Na linha de Ogum temos: Ogum de Lê, Ogum Beira-mar,
Ogum Matinata, Ogum Sete Ondas, Caboclo Biritan, Ogum Megê, Ogum Sete
Espadas e mais uma plêiade de espíritos que vêm sob essa vibração. Entre
os caboclos de Xangô temos muitos caboclos famosos, como Caboclo das
Sete Pedreiras, Caboclo Vira-mundo (que vem como Xangô ou Oxossi), Xangô
Kaô, Caboclo Pedra Branca, Caboclo da Pedra Preta etc. Para citar
alguns da linha de Oxalá, que dificilmente baixam, temos Caboclo
Ubiratan, Caboclo Girassol, Caboclo Ipojucan, Caboclo Guaracy e Caboclo
Tupi. Esses caboclos, normalmente, vêm fazendo cruzamento vibratório com
outros orixás, especialmente com Oxossi.
Todas as entidades de Umbanda são importantes. Ainda que alguns se
orgulhem de serem médiuns de caboclos renomados e tidos como chefes de
falange, o que vemos é que quando estão no terreiro, os Caboclos tratam
uns aos outros como iguais, mostrando que o que importa é o trabalho
espiritual e, como em uma aldeia, tudo é feito em conjunto e com as
ordens dos planos superiores. Assim diz um ponto cantado de caboclos: na
sua aldeia ele é caboclo, é Rompe-mato e seu mano Arranca-toco, na sua
aldeia lá na jurema, não se faz nada sem ordem suprema.
É também do linguajar de caboclo, que não cai uma folha da jurema (da
mata), sem ordem de Oxalá, ou seja, que tudo na vida tem motivo e que
nossas ações são registradas na lei de causa-e-efeito, ou lei do karma.
Mas isso não significa ficar passivo, esperando o pior acontecer. Os
Caboclos também ensinam a termos coragem e a sermos guerreiros na vida,
lutando pelo que é justo e bom para todos. No que é possível, os
caboclos nos ajudam a entrar na macaia (a mata que simboliza a vida), a
cortar os cipós do caminho (vencer as dificuldades) e, se preciso, caçar
os bichos do mato (vencer as interferências espirituais negativas).
Essa postura é evidenciada em vários pontos, como esse:
Atira, atira, eu atirei, eu bamba vou atirar Bicho no mato é corredor, Oxossi na mata é caçado.
Cadê Vira-mundo pemba (bis)
Tá no terreiro, pemba, com seus caboclos, pemba.
Veado no mato é corredor, cadê meu mano caçador
E o Caboclo Ventania que me protege noite e dia.
Para quem vivência o terreiro, que há anos luta as batalhas
espirituais e já viu os caboclos vencendo as demandas dos filhos-de-fé,
afastando entidades negativas, tratando doenças que a medicina muitas
vezes não resolve e dando lições de simplicidade, humildade, coragem e
persistência, ouvir ou mesmo lembrar esses pontos cantados, traz uma
sensação de alegria que enche o coração, renova o ânimo e nos dá a
certeza de que estamos no caminho certo. Melhor do que qualquer leitura
sobre caboclo é vê-lo incorporado atendendo quem precisa.
Fonte: Revista Orixás, Candomblé e Umbanda – Ano I – Nº 02